Ó musa da minha alma, que amas tanto o luxo,
Quando vier Janeiro e os ventos boreais,
Durante o negro tédio dos serões nevados
Irás ter um tição que te aqueça os pés roxos?
Reanimarás tu esses ombros marmóreos
Com os raios nocturnos que a janela filtra?
Sentindo a bolsa lisa, o palácio vazio,
Irás colher o oiro da celeste abóbada?
Precisas, pra ganhar o pão de cada noite,
Como um miúdo de coro, agitar o turíbulo
E cantar os Te Deums em que mal acreditas,
Ou, como um saltimbanco, exibir os encantos
E o teu riso inundado de invisível pranto
Para desafogares o baço do teu povo.
C. Baudelaire, As Flores do Mal, VIII.
(tradução de F. Pinto do Amaral)
Imagem: Cântico dos Cânticos-Marc Chagall.
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